quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O papel do professor de literatura na formação de leitores

O papel do professor de literatura na formação de leitores

Solange Loos

Minhas lembranças das aulas de literatura que tive quando cursava o Segundo Grau me motivaram a refletir sobre o papel do professor de literatura enquanto formador de leitores. Infelizmente, essas recordações não são boas, pelo contrário: lembro, principalmente, de um professor extremamente conservador e enérgico, que adotava um livro didático que, como a maioria dos que se propunham a ensinar literatura naquela época, não passava de uma esquematização (extremamente malfeita) de nomes, datas, características de escolas literárias, obras mais importantes, etc., ou seja, um perfeito rol de inutilidades. E a "arte da palavra" — que era como esse livro definia literatura (e que, de todo o rol, foi a única definição que não esqueci) — soava-me tão distante, mas tão distante, que eu chegava a pensar que havia algo errado comigo, já que não conseguia entender a importância de algo que o livro didático dizia que era tão bom. Em quase todas as aulas, esse professor repetia: "Machado de Assis é bom", "José de Alencar é bom" e "É preciso ler o que é bom". Lembro que, uma vez, fui à biblioteca do colégio e peguei A pata da gazela (de José de Alencar). Não achei nada bom, mas não tive coragem de dizer isso àquele professor ou de lhe pedir que me explicasse por que o livro que tinha acabado de detestar era bom.

Hoje, compreendo o motivo de ele não ter me explicado por que Machado de Assis é bom: nem ele sabia por quê. Ele falava de algo que não conhecia, repetia o que havia ouvido de seus professores e, o que é ainda pior, não lia para conhecer e poder convencer seus alunos.

Se aquele meu professor soubesse o que é literatura e por que ele a ensinava, teria me mostrado que ela está em toda parte — no rádio, na TV, no cinema, no teatro... —, e eu certamente teria me interessado por ela imediatamente. Dos males, o menor — sempre gostei de ler e li, mas perdi muito tempo lendo bobagens até descobrir o valor da literatura.

A prática do professor que não têm noção do que está fazendo só serve para afastar o aluno da leitura. E a imposição do cânone literário — muitas vezes indigesto — acaba fortalecendo a idéia de que literatura é só o cânone — que, para a maioria dos alunos, é sinônimo de chatice. Além disso, essa imposição acaba por mistificar a literatura. Se há uma elite que elege o que é bom (Com que critérios? Que valores estão em jogo?), o restante do público em potencial, ou passa a fazer parte de um grupo de privilegiados — os que têm acesso à literatura -, ou é excluído, pois a literatura é vista como algo para iniciados.

E essa mistificação, somada às condições em que se encontra (há tanto tempo...) o magistério, faz com que os professores também não leiam.

O professor que quer incentivar a leitura tem de ser, antes de tudo, leitor. E, segundo o escritor Paulo Venturelli, "um leitor em permanente construção". Só um professor que é leitor e tem consciência do valor da leitura consegue criar leitores e ensiná-los a ler o mundo.

A literatura alimenta a leitura: quanto maior a dimensão cultural do leitor, melhor ele lê; quanto mais ele lê, maior sua dimensão cultural.

Mas não se pode pensar apenas no aspecto prazeroso da leitura: além de prazer estético, livros são instrumentos de conscientização e atualização: o professor tem o papel de formar leitores críticos da cultura. Ao lado do prazer de ler está o prazer da descoberta, da ampliação da visão de mundo, da resistência à massificação, do debate e da crítica.

O conhecimento literário e o gosto pela leitura (e uma coisa não existe sem a outra) são requisitos para a construção de um professor formador de leitores. Só o entusiasmo do professor pela leitura e a consciência de seu papel podem envolver os alunos e fazê-los ler.

Em termos metodológicos, é preciso dar-lhes uma grande quantidade e variedade de livros. O patrimônio histórico, cultural e científico da humanidade está fixado em diferentes tipos de livros, e isso torna as visitas freqüentes à biblioteca imprescindíveis.

O professor que realmente é formador de leitores tem abertura às diversas interpretações que a obra literária pode suscitar e tenta sempre aprender com elas.

Em uma sociedade em que imperam o utilitarismo, o consumismo e a alienação, o professor acaba concorrendo com os meios de comunicação e toda a sorte de entretenimentos que apelam para o óbvio. Fazer com que o aluno tome consciência da necessidade de transformação de si mesmo e do mundo pode ser uma forma de sensibilizá-lo para a leitura, a literatura e a realidade. É preciso ensinar o aluno a fazer a vinculação entre o lido e o vivido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & realidade brasileira. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

VENTURELLI, Paulo. A literatura na escola. Revista Letras, n. 39, Curitiba, p. 259-269, 1990.

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