1. O AUTISMO E A
ESTIMULAÇÃO SENSORIAL: UM OLHAR PSICOMOTOR Autora: Marques, R. Q.
Introdução: O Autismo Infantil é um Transtorno do Desenvolvimento
caracterizado por déficits em diversas áreas, tais como:
comunicação, interação social, funcionamento cognitivo,
processamento sensorial e comportamento. No entanto, cada criança é
única, evoluindo de formas distintas de acordo com sua gravidade e
com sua estimulação. Diante da suspeita de um diagnóstico de
autismo, acredita-se que quanto mais cedo se inicie a estimulação
adequada, mesmo antes do fechamento deste diagnóstico, maiores
serão as chances dessas crianças terem uma boa evolução. A
Psicomotricidade tem como objetivo principal estudar e trabalhar o
Homem de uma maneira integrada, considerando que seus aspectos
motores, cognitivos, sociais e afetivo- emocionais atuam em
conjunto, interferindo de modo positivo ou negativo em suas relações
consigo e com o meio que o cerca. O olhar psicomotor voltado para a
criança autista poderá mudar o lugar que lhe foi dado, de um
alguém sem futuro e sem esperança, ampliando, assim, as formas de
tratamento. A psicomotricidade irá mostrar que é possível
interagir com eles através de mediadores verbais e não verbais,
buscando torná-los mais autônomos nas tarefas cotidianas,
diminuindo a dependência de outrem e, conseqüentemente, melhorando
imensamente sua qualidade de vida. É importante observar que todo o
trabalho feito com as crianças autistas deve ser permeado de um
cuidado mais do que especial. É necessária uma postura de
observação minuciosa por parte do terapeuta e o conhecimento da
patologia, para maior compreensão do bom andamento da estimulação.
Além disto, são fatores fundamentais, o amor, a disponibilidade e,
acima de tudo, a confiança nessas crianças e a credibilidade na
possibilidade de desenvolvimento destas. Objetivos: A
psicomotricidade irá trabalhar no autismo, principalmente, no
investimento do corpo para propiciar a tomada de consciência dele.
Com isto, será possível um maior controle dos atos motores e na
coordenação gestual do cotidiano, o que facilitará uma melhor
relação com o meio em que vive e com as pessoas que o cercam. O
objetivo do trabalho é possibilitar à criança viver e sentir seu
corpo, tirando-a dos estereótipos e incentivando-a a descobrir seu
próprio movimento. O objetivo não é moldá- -la, mas oferecer à
criança instrumentos que estimulem o seu desenvolvimento através
do prazer de viver seu corpo nas mais variáveis relações. Através
de experiências sensório-motoras é possível aumentar sua relação
com o mundo, já que o contato com os outros através do toque ou do
olhar é inicialmente difícil. Entretanto, mesmo diante das
dificuldades, é fundamental o contato ocular, a fim de permitir que
o terapeuta perceba todos os sinais, por mais imperceptíveis que
sejam, que a criança irá enviar. A psicomotricidade também irá
trabalhar com o autista através do contato corporal, explorando as
diferentes variações do toque, do mais sutil ao mais forte, com o
intuito de dar contorno ao corpo e, através de suas variações,
possibilitar, aos poucos, uma maior aceitação, por parte da
criança autista, das sensações proporcionadas. Fundamentação
Teórica: A criança autista tem dificuldades de se apropriar de seu
corpo, de entender e administrar sentimentos e emoções, que irão
refletir, principalmente, no seu relacional e, conseqüentemente, no
seu aprendizado.
2. Para a
Psicomotricidade, o corpo é o meio pelo qual o indivíduo se
exprime. Levin (2001) diz que o sujeito fala através de seu corpo,
das variações tônico-motoras, do movimento, dos gestos e do
esquema corporal. O esquema corporal é a percepção geral e
diferenciada que se tem do corpo. Soubiran (1975, apud Mousinho
2002) considera o esquema corporal como a resultante de uma
consciência do corpo acrescida de sentido espacial e suas atitudes,
o que permite uma identificação das possibilidades desse corpo
quanto aos seus movimentos e ações. Levin (ob. cit.) aponta que o
esquema corporal é a própria idéia que se faz do corpo e que,
assim, apresenta caráter mutável, evolutivo, sujeito ao passar do
tempo. Afirma, ainda, que o esquema corporal se constrói na
evolução do desenvolvimento psicomotor da criança. De acordo com
Fainberg (1982), desde o início, no período da simbiose com o
outro, a criança faz a diferença da pessoa que cuida dela e do
estranho. Em seguida, através da imitação, a criança se
descobrirá como ela mesma. O outro terá papel fundamental na
evolução do conhecimento do corpo, servindo inclusive de espelho.
A criança terá no corpo do outro a imagem do pré-conhecimento de
si mesma. O autista não tem a noção de totalidade do seu corpo,
ele lhe parece fragmentado, o que torna difícil a integração do
esquema corporal e, conseqüentemente, a estruturação da imagem do
corpo. Outra característica é que as percepções sensoriais do
autista são alteradas, causando grande desconforto e prejuízo nos
relacionamentos sociais. Em Mousinho lê-se um relato no qual
Leboyer (1985) descreve a constatação de Ornitz e Ritvo de que a
reação às percepções sensoriais da criança autista pode ser
excessiva (hiper- reação) ou atenuada (hipo-reação) e produzível
através de qualquer órgão dos sentidos (p. 115). Mousinho diz
ainda que, Lovaas e Schreibman (apud Leboyer, 1985) criaram o
conceito de estímulo hiperseletivo para especificar uma
incapacidade dos autistas de integrarem ou filtrarem diferentes
estímulos sensoriais que estivessem presentes ao mesmo tempo. Desta
forma, para que eles sejam capazes de responder a um estímulo
sensorial, é preciso que este esteja isolado de outros. Para que o
objetivo da psicomotricidade perante o autismo seja atingido, ou
seja, para que se possa propiciar ao autista uma maneira confortável
de viver no mundo e de ser eficiente, é preciso “dar” contorno
ao seu corpo, fazendo com que ele possa ter a compreensão do que a
ele pertence e do espaço, dos objetos e das pessoas que o cercam. É
importante ressaltar que antes de iniciar qualquer tipo de trabalho,
independente da queixa da criança, deve-se estabelecer um vínculo
e um tipo de comunicação que irão permitir o desenvolvimento
deste. Villard (1984, apud Mousinho, 2002) acredita que as
experiências sensoriais e motoras, juntamente com a relaxação,
propostas pela psicomotricidade, reforçam os limites do corpo, mal
definidos na criança autista. Acrescenta que é necessário,
primeiramente, oferecer o suporte das fronteiras do corpo, para
depois fazê-la compreender o interior e o exterior. O contato, é
importante para delimitar o corpo do autista, já que a pele,
segundo Mousinho (2002), é a área sensorial mais extensa do corpo,
sendo assim, o mais rico dos receptores; é a zona de fronteira
entre o interior e o exterior do corpo. No entanto, ele não precisa
ser físico; pode, num primeiro momento, ser feito com lençóis,
cobertores, rolos de espuma, etc. Nesta situação, qualquer tipo de
material é válido na busca de uma textura que seja suportável
para a criança autista. Com o passar do tempo, dever-se-á incluir
o contato físico, a fim de ajudar na estruturação de sua unidade
corporal e de tornar sua relação com os outros mais próxima e
agradável possível. Os sinais emitidos pelas crianças deverão
ser captados pelo olhar do psicomotricista, que, além de
observador, deverá estar em constante busca do encontro do olhar da
criança, para que a partir deste momento, sejam facilitadas novas
vias de contato. Através do olhar, o psicomotricista saberá o que
agrada e o que incomoda, ou então o que parece ser indiferente,
além de ser um excelente meio de estabelecer vínculo. Aucouturier
(1984) diz que a voz é a única sensação de origem exteroceptiva
que chega à criança in útero. A criança, quando nasce, é capaz
de reconhecer a voz de sua mãe, antes mesmo de reconhecer seu
rosto, através do ritmo e da melodia.
3. Partindo deste princípio, pode-se pensar
no mediador importantíssimo que é a voz. Quando se lida com as
crianças autistas, muitas vezes, tem-se a sensação (no caso
daquelas que não se comunicam verbalmente) de se estar falando em
vão. Refletindo um pouco sobre esta situação, deve-se questionar
se realmente fala-se em vão. Talvez, as palavras não estejam sendo
compreendidas semanticamente, mas isto não quer dizer que nenhuma
mensagem esteja sendo passada. Os tipos de entonação da voz, do
ritmo e do volume utilizados serão fatores fundamentais na
percepção da mensagem. É fundamental que o terapeuta tenha
consciência do seu estado tônico-emocional para que, na hora da
atuação junto à criança, não transpasse seus próprios
problemas. Caso contrário, a voz em vez de grande aliada, passará
a ser um instrumento de distanciamento não adequado. É importante
iniciar uma aproximação pela voz, mesmo que seja apenas pedindo
permissão para tal. Deve-se sempre ter em mente que, ainda que a
criança não responda verbalmente, ela dá indícios de suas
vontades. É necessário falar à criança todas as intenções e
esperar sua reação positiva ou negativa, pois sempre haverá
alguma. Considerações finais: O trabalho com crianças autistas é
fascinante. Por um lado, é extremamente difícil e demorado, já
que se precisa descobrir a melhor via de acesso para que se possa
comunicar. É um processo de intensa observação e cuidado para não
se perder os pequenos sinais emitidos, tampouco invadir um
território sem permissão. Cabe lembrar, que por mais debilitadas
que estas crianças possam estar, são indivíduos com vontades e
desejos expressos que devem ser respeitados. Muitas vezes, na
tentativa de ajudar acaba-se por ultrapassar um limite, não
considerando a postura do outro. Por outro lado, é muito
gratificante, quando se percebe singelas mudanças em seu
comportamento, que irão, aos poucos, possibilitar uma melhora na
qualidade de vida. O trabalho com autistas é permeado de muitas
conquistas e novas descobertas a cada instante. As respostas obtidas
dão esperança e incentivo, que são fatores fundamentais em
qualquer abordagem terapêutica. Optou-se pela estimulação
sensorial, por não se acreditar num trabalho de condicionamento que
não os prepara para a vida social e sim os restringe ao âmbito
familiar. Convém ressaltar que todo o processo terapêutico deve
incluir os familiares para que se possa ter um trabalho integral e
de qualidade. Orientar a família em relação à patologia e ao
tratamento proposto torna-se fundamental e é imprescindível
conscientizar os familiares quanto a sua atuação, como parte
integrante e importante do tratamento. Para que o trabalho seja
completo e apresente bons resultados é necessária a colaboração
de todas as pessoas envolvidas com a criança, atuando num mesmo
propósito, o de ajudar as crianças a conviverem melhor consigo
mesmas, com os outros e com o meio que as cercam, para que todos
sejam mais felizes. Bibliografia: AUCOUTURIER, B. e LAPIERRE, A.
Fantasmas Corporais e a prática psicomotora. Tradução: Regina
Soares e Silva e Sônia Artin Machado. São Paulo: Manole, 1984. 139
p. FAINBERG, J. Esquema Corporal. Revista do corpo e da linguagem,
Rio de Janeiro, n.1, p. 5-11, Jul. 1982. LEVIN, E. A clínica
psicomotora: o corpo na linguagem. 4a ed. Tradução: Julieta
Jerusalinsky. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. 341 p. ISBN
85-326-1544-9. MOUSINHO, R. O corpo no(s) Autismo(s) in FERREIRA, C.
A. M. e THOMPSON, R. (Org) Imagem e Esquema Corporal: Uma visão
transdisciplinar. São Paulo: Lovise, 2002. p. 111-120.
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